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O luto em tempos de pandemia
Juliana Blaser
17 de agosto de 2020
O luto em tempos de pandemia
Por José Olavo (CRP: 04/53490) – Psicólogo do Espaço Clínico Cogitus
Espero que este texto, mesmo breve, consiga te oferecer alguma clareza e possa servir como um desencadeador de reflexões pessoais, ajudando a vivenciar o processo do luto de modo menos doloroso, propiciando uma articulação mais consciente acerca das suas próprias crenças sobre o viver e o morrer, assim como acerca das suas expectativas sobre o que é e o que não é possível de ser feito.
Nesta época de pandemia em que todos nós estamos inseridos, a ansiedade sentida acerca da nossa própria condição, o peso e a tristeza da perda de alguém que amamos ou a ansiedade presente sobre a condição futura de quem tanto queremos bem são experiências que, mais cedo ou mais tarde, assolam nosso dia a dia já tão modificado à revelia de nossos planos. Em muitos casos, lidar diretamente com o tema da morte e do luto se faz presente como mais um evento que nos deparamos neste difícil e complexo ano de 2020.
Pensando nisso, talvez mais do que antes, é urgente deixarmos de tratar a morte e o luto como tabus, oportunizando espaços abertos de falas e troca de visões de mundo com entes queridos. Afinal, se o que buscamos é um maior bem-estar individual e coletivo, demonstrar um apoio sincero a quem amamos e permitir a nós mesmos identificar e refletir acerca das nossas próprias crenças sobre a época em que vivemos, a condição em que nos encontramos, a pessoa que perdemos ou esperamos perder, a morte, a vida e o que está ao nosso alcance de fazer são comportamentos básicos que nos ajudam a lidar melhor conosco e com o luto.
É sabido que a expressão do luto varia de acordo com a cultura e com o tempo em que determinada sociedade está inserida. No entanto, na década de 1960, a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross fez uma pesquisa com grupos de enfermos em fases terminais na qual delineou cinco estágios básicos que uma pessoa apresenta potencial de passar ao deparar-se com a morte. É importante destacar que esses estágios não se dão de maneira rígida e sequencial, mas são partes de um processo individual, alterando-se de acordo com as características singulares de cada um de nós.
Embora existam outras pesquisas que surgiram após a dela, é comum que as investigações sobre o luto dialoguem de um jeito ou de outro com a de Kübler-Ross.
Esses estágios são
– a negação da informação da perda da pessoa amada, da própria morte ou da expectativa de falecimento;
– o sentimento relativamente constante de raiva ao receber a notícia, direcionada à vida, a Deus e/ou às pessoas envolvidas;
– negociação, em uma série de comportamentos de barganha que tentam adiar ou evitar
os temores sobre a situação;
– interiorização da informação, estágio no qual se passa a ter consciência dos efeitos e das implicações relacionadas à perda e
– a aceitação enquanto reação à falta concreta ou iminente, o que não deve ser confundido com desistência, abandono ou derrota, mas sim significar a admissão serena à impossibilidade da mudança.
Mas, apesar dessas características gerais, o que é o luto propriamente dito?
Uma série de outras pesquisas no campo da Psicologia e da Psiquiatria Clínica indica que o luto é um processo desencadeado por uma perda emocionalmente significativa. Esse processo possui uma vasta variação de emoções que modificam nosso funcionamento típico, alterando nosso estado mental característico e dificultando inevitavelmente nossas habilidades de resolução de problemas. Nesse sentido, o luto pode ser dividido em dois tipos, o luto sem complicações e o luto complexo.
Um luto sem complicações é uma reação comum à morte de uma pessoa querida, geralmente de seis a doze meses após o acontecimento, em que a pessoa em sofrimento vivencia um sentimento de tristeza profunda e humor depressivo que varia no decurso dos dias, podendo estar associada à apatia, insônia, perda de apetite e perda de peso.
Já um luto complexo ocorre por uma saudade do ente querido que persiste a mais de doze meses da perda, com pouca ou nenhuma variação ao longo dos dias, e/ou uma preocupação excessiva com o futuro da pessoa que se foi. Pode ser também marcado por uma grande dificuldade em aceitar a morte, experimentando uma sensação constante de entorpecimento, podendo levar à evitação excessiva de lembranças da perda, assim como à crença persistente de que a vida não tem sentido ou tornou-se totalmente vazia após o falecimento da pessoa amada, impossibilitando a busca por interesses diversos, como o planejamento do futuro e amizades.
Independentemente da maneira que esse processo se manifesta em nós, existem alguns comportamentos que podemos ter para que possamos passar pelo luto de modo menos doloroso. O objetivo aqui não é esgotar todas as possibilidades, mas apenas indicar algumas estratégias gerais que podem ser utilizadas para buscar a promoção do nosso bem-estar durante o momento difícil da perda.
A primeira delas é conhecer a si mesmo. Identificar suas próprias crenças, sentimentos e comportamentos típicos, assim como avaliar sobre o quanto certas ideias que você tem sobre a morte, a vida e sobre você mesmo te ajudam, te atrapalham ou estão bem articuladas com outros pensamentos que te oferecem bem-estar é um conjunto de movimentos relacionados à busca de maior qualidade de vida e que também tem potencial em te ajudar a passar pelo luto. Em outras palavras, vivenciar conscientemente o próprio luto enquanto o processo que é, conhecendo como ele se manifesta em você, é fundamental para que ele seja menos penoso e mais fácil de ser experimentado. Pois é isso que te dará a base necessária para que você saiba o que fazer para se sentir melhor.
Buscar aceitar as mudanças que se impõem, respeitando seu próprio tempo psicológico, é outra conduta que pode ajudar. Conhecendo seu próprio ritmo de funcionamento, o compromisso consigo mesmo e com a admissão das alterações emocionais características do luto dá condições para que esse processo seja vivenciado de modo menos pesado. Isso não significa negar que momentos incomuns de negação, raiva ou de tentativas de alterar o inevitável possam acontecer. Mas sim que esses estágios podem ocorrer. E está tudo bem. O compromisso com a própria aceitação da perda concreta ou esperada, das reações fisiológicas, comportamentais e emocionais, assim como com certos pensamentos que passam pela sua mente durante o seu luto, oferecendo a você mesmo o seu tempo necessário para passar por tudo isso, é outro ponto fundamental para que o luto seja vivenciado conscientemente, sendo bem elaborado por você e, tornando-se, assim, mais leve.
Além de dar a si mesmo o próprio tempo para passar pelo luto, permanecer em contato com pessoas que ama, como amigos e familiares, é outra estratégia bem-vinda. Apesar de ser importante que a pessoa enlutada tenha seu próprio espaço, o compartilhamento de pensamentos, temores, sentimentos e da saudade sentida entre você e as pessoas com as quais mantém uma relação de amor e confiança pode te auxiliar, sendo um suporte emocional, servindo como mais um fator de proteção para passar por esse processo.
Além de tudo isso, um acompanhamento psicológico pode ser também necessário. Seja passando pelo luto sem complicações seja pelo luto complexo, encontros sistematizados com um psicólogo pode te ajudar a trabalhar suas próprias dificuldades em relação a esse processo e, desse modo, a passar pelo luto de modo mais leve. Sendo um processo individual, com variações grandes no nosso humor, um acompanhamento psicológico pode ser a pedra angular para que a admissão acerca do que não se pode alterar seja persistente; para que a aceitação ocorra de modo mais leve e mais duradouro. E a saudade se torne apenas saudade.