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Natal, reuniões familiares e saúde psicológica
Juliana Blaser
26 de dezembro de 2019
As reuniões em família e nossa saúde psicológica
Por José Olavo Smanio Brando – Psicólogo do Espaço Clínico Cogitus
Datas ou períodos comemorativos, como o Natal ou as festas de ano-novo, podem sugerir em nós certas reflexões, como as relacionadas as nossas condutas e suas interações com as pessoas com quem convivemos. É do conhecimento de todos que, nesta época, muitas famílias e amigos se reúnem, dentre outros motivos, para celebrar a suas vivências, seus laços de amizade, companheirismo e compartilhar mais um momento de festas e relaxamento após mais um ano de trabalho. Por outro lado, não é surpresa que, em reuniões como essas, conflitos e mal-estar também podem surgir, sendo efeitos de inúmeros fatores atribuídos por aqueles envolvidos nessas relações, como “assuntos mal-resolvidos” em eventos do passado que se estenderam até o presente, forte contradição entre valores pessoais defendidos por uma pessoa e por outra, discordância entre duas ou mais pessoas sobre o julgamento de determinada coisa, uso de um estilo agressivo e/ou passivo na hora de comunicar-se, falta ou pouco uso na situação da habilidade de regular as próprias emoções etc.
Tendo essas observações entendidas como algo que constantemente acontece em encontros como as ceias de Natal, por exemplo, convidamos você para uma breve reflexão sobre alguns pontos envolvidos nessas situações conflituosas e suas relações com a dimensão psicológica da nossa saúde.
Afinal, o que existe em comum em todos os exemplos de conflito entre duas ou mais pessoas listado acima? Seríamos nós apartados de influências que recebemos do ambiente em que estamos ou das pessoas com quem convivemos? Poderíamos, de modo realista, dizer que ‘cada um é uma ilha’, que somos apenas impactados por outra pessoa se deixarmos que ela nos influencie, ou se formos “fracos” para deixar isso acontecer, que não somos em nada responsáveis pela maneira como a outra pessoa vai responder a nossas falas, mensagens e gestos, mas que isso depende totalmente do quão “forte” ela é para “aguentar” o que temos a dizer?
Uma possível resposta para a primeira pergunta é: a saúde de cada pessoa envolvida no conflito, seja direta seja indiretamente. Assim, diferente do que costumamos ouvir e acreditar em nosso dia a dia, uma definição mais abrangente e precisa de saúde, conforme colocado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1946, é dada da seguinte maneira: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não apenas ausência de doenças.
Para além de todo e qualquer julgamento de valor acerca do conflito em si ou dos indivíduos envolvidos nele, toda situação conflituosa entre duas ou mais pessoas envolve o bem-estar (físico, mental e social) daquelas que direta e indiretamente estão nela relacionadas. Focando na dimensão mental (e social), na prática, isso significa dizer que uma resposta “seca”, uma falta de resposta, um comentário agressivo, falas provocativas sem fins claramente delineados, uma “piadinha sem a intenção de ofender”, ou mesmo o não comparecimento em reuniões como as que acontecem no fim do ano sem a justificativa dos motivos da falta para aqueles que aguardavam a pessoa querida, é condição não apenas para desgastar ou afastar certas relações familiares ou de amizade, mas também para impactar a saúde mental, o bem-estar psicológico de todas as pessoas envolvidas.
Esse raciocínio nos ajuda a responder as demais questões levantadas. Diversas pesquisas na Psicologia, como nas áreas da Psicologia Social e Psicologia Clínica por exemplo, nos mostram que a ideia que eventualmente podemos ter que somos como sistemas fechados, que apenas nos influenciamos por partes do ambiente ou por outras pessoas se deixarmos que isso aconteça conosco, ou mesmo que nossas ações não são capazes de influenciar diretamente na saúde das pessoas com as quais convivemos, não são ideias que têm alguma sustentação científica. Não temos evidências de que funcionamos dessa maneira. Por isso, essas ideias seriam equivocadas.
Em outras palavras, pelo que as pesquisas científicas em Psicologia indicam, temos razões suficientes para acreditar que nossas ações não apenas influenciam as pessoas com as quais convivemos, mas também são condições para implicar na qualidade de vidas delas (e na nossa). Assim, por exemplo, as mensagens que damos a alguém, dependente ou independentemente do quanto a conhecemos, a maneira como transmitimos e/ou respondemos a uma fala de alguém dirigida ou não a nós, o lugar e a hora em que decidimos falar alguma coisa com alguém e os objetivos das nossas falas oferecem ocasião para impactar o bem-estar psicológico das pessoas com quem experienciamos situações cotidianas ou eventos pontuais, como as reuniões da ceia de Natal.
Seria, então, o conflito uma coisa que deveríamos evitar, a fim de buscarmos impedir qualquer queda na qualidade de vida de alguém ou na nossa? As pesquisas no campo da saúde, sobretudo aquelas à luz da Terapia Cognitivo-Comportamental, nos indicam que depende: de um modo geral, evitar situações geradoras de estresse pode trazer mais benefícios que custos ao bem-estar no curto prazo, uma vez que, por exemplo, certa sensação de alívio e conforto pode vir da decisão de não nos empenharmos em algum evento em que esperamos desgaste emocional.
No entanto, no médio/longo prazo, evitar situações de conflito não nos dá oportunidade de questionarmos certas crenças que temos que podem estar disfuncionais, e assim chegarmos a conclusões mais realistas ou úteis, ou exercitarmos certas habilidades sociais que são propiciadoras de bem-estar individual e coletivo (como assertividade, empatia ou resiliência).
Nesse sentido, não é exagero dizer que, em certas ocasiões, evitar situações conflituosas é uma maneira de nos auto-condicionarmos ao não-crescimento pessoal e, consequentemente, uma forma de atrapalharmos nossa própria qualidade de vida. Dificuldades nos relacionamentos com outras pessoas, ou consigo mesmo(a) ocasionadas por situações de contato social, tal qual as ceias de Natal, estão diretamente relacionadas com o nosso bem-estar subjetivo, como em nossas expectativas acerca de como a situação se dará, como será nosso desempenho nela, quais serão os efeitos dela ou se sairemos arrependidos por algo que fizemos ou deixamos de fazer.
Seja como for, para todos esses casos, um acompanhamento psicológico pode ser necessário; principalmente se estiver tendo prejuízos em várias áreas da sua vida, com respostas exageradas e/ou inadequadas acompanhadas de alto sofrimento emocional.
Com essa reflexão, buscamos apontar para a ideia de que, na vida vivida, há uma constante relação mútua entre as pessoas e que essa relação está diretamente ligada a nossa saúde psicológica. Em outras palavras, nossas crenças e ações não apenas são influenciadas por e impactam os pensamentos e os comportamentos de outras pessoas, mas também estão relacionadas a como as pessoas podem sentir e interpretar a si mesmas, aos outros e ao futuro, de modo a propiciar maior, menor ou nenhum grau de bem-estar mental e social.
Se você ou alguém que você conheça estiver tendo dificuldades nesses pontos aqui levantados, nós estamos aqui para ajudar.
A equipe Cogitus deseja a todos um feliz Natal e um próspero ano-novo! Boas festas!
Referências de apoio:
Bandura, A. (2008). A teoria social cognitiva na perspectiva da agência. In A. Bandura, R. G. Azzi & S. Polydoro. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed.
Beck, J. S. (2013). Terapia cognitiva: Teoria e prática (Sandra Mallmann da Rosa, Trad.). 2a Edição. Porto Alegre: Artmed.
Beck, J. S. (2007). Terapia cognitiva para desafios clínicos: O que fazer quando o básico não funciona (S. M. de Carvalho, Trad.). Porto Alegre: Artmed.
Clark, D. A. & Beck, A. T. (2012). Terapia cognitiva para transtornos de ansiedade. (Maria Cristina Monteiro, Trad.). Porto Alegre: Artmed.
Krüger, H. (2017). Crenças e sentido da vida. Curitiba: CRV. Krüger, H. (2018). Psicologia social das crenças. Curitiba: CRV.
Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) (1946).